O calor era insuportável, eu consegui ouvir as vozes agitadas que
gritavam,ensurdecimente, coisas sem sentido. Não era possível
identificar as palavras , eu estava ocupada demais olhando a pessoa que
me fazia ficar anciosa para ir á escola todos os dias. Ele estava
sentado a duas carteiras a minha frente , encostado na parede, com seus
cachos loiros e bagunçados sendo amassados pela parede fria e dura ,
mas minha visão foi interrompida quando o professor passou umas folhas
com questões de revisão sobre a Revolução Francesa, eu já tinha perdido
as contas de quantas vezes eu tinha visto isso, as aulas de história
eram sempre intendentes.
Depois da aula o orientador veio até nossa
sala dar algumas orientações sobre o vestibular, essas conversas eram
sempre uma tortura,até agora eu não sabia o que prestar e só tinha mais
alguns meses para me decidir mas eu nunca me achei madura pra tomar
esse tipo de decisão, tão importante.
O sinal finalmente tocou , eu
já estava ficando desesperada com aquela conversa, guardei rapidamente
os livros na mochila e peguei o fichário, pronta para encarar o
corredor cheio de alunos, era difícil andar ali, senti algo esbarra em
mim, mas não pude ver o que era, eu apenas perdi o equilíbrio
rapidamente e cai levando comigo meus livros, senti meu rosto corar dos
olhares debochados que eu vinham em minha direção. Me levantei
irritada, tentando não pensar no mico, juntei rapidamente algumas
coisas que tinha caído da minha mochila mal fechada, quando ouvi uma
voz suave e conhecida:
-Quer ajuda?
-Não, obrigada!-Respondia me levantando rapidamente
Era ele, a razão da minha ansiedade, o anjo de cabelos loiros.
Apesar da vergonha, aquilo foi perfeito, ficamos conversando durante todo o percurso, só nos separamos no portão.
Ao
chegar em casa eu logo percebi, pela cara da minha mãe, que tinha
acontecido alguma coisa, e ao julgar pelo telefone em sua mão ela
deveria ter falado com o meu pai. Ele tinha criado uma empresa á um ano
atrás e as coisas lá nem sempre iam bem, na verdade, minha vida tinha
se tornado um pouco mais difícil. Ela estava furiosa, eu resolvi não
perguntar, aquela definitivamente não era a hora, apenas guardei minhas
coisas e sentei-me para almoçar. Depois de comer eu fui lavar a louça e
estudar, no final da tarde como de costume precisei levar meu cachorro
pra rua um pouco.
Até que a tarde não fora tão ruim quanto eu havia
imagino, não pelo menos até aquela hora, quando eu voltei da rua, nem
deu tempo de abrir totalmente a porta e eu já ouvia passos atrás dela.
-
Você não viu que a máquina estava ligada? Não dava pra desligar? Fica
ai gastando energia, eu estou me desdobrando para economizar em tudo o
que eu posso e não dava pra você desligar a máquina?
“ Respira” – eu pensava
Tudo o que eu conseguir fazer foi falar bem baixo:
- Eu não vi, desculpa...
E
depois sai correndo para o meu quarto sem ao menos lembrar que tinha um
cachorro pra cuidar, o levei comigo, tudo o que eu queria naquela hora
era um lugar calmo para pensar. Peguei o violão no meu quarto, e um
pedaço de folha que estava no armário ao lado da cama, não precisei me
esforçar para que saísse alguma coisa.
“ I don´t wanna hear,
Anybody screming to me
Sayin’ things, there are no true
I don´t wanna hear,
That was someone’s fault
‘ Cause we all know
Everybody has a part, in this story “
Mas
aquelas palavras não me soavam bem, tentei várias vezes muda-las e
reorganiza-las para melhorar a letra, mas nunca ficava bom e ai, como
sempre eu desisti, deixando daquele jeito mesmo, mudar seria inútil, eu
não iria ganhar um grammy com aquilo mesmo.
Os dias seguintes
não foram tão insuportáveis , mas eu continuava acordando ouvindo as
discussões dos meus pais pela manhã, as palavras nunca eram muito
claras, mas eu não precisava entende-las, já era difícil demais sem
entende-las. Os meus olhos se fecharam brevemente, e eu perdi a noção
do tempo, só me lembro que quando acordei eu já não escutava mais nada,
ele já tinha ido, ou pelo menos parecia.
Aquela era a hora para
sair do quarto, com uma inspiração profunda, levantei-me. Minha mão
encostava brevemente na maçaneta da porta mas eu não tinha coragem o
suficiente para virá-la
O dia seguiu de uma maneira inquietante, eu
não sentia o tempo passar e não conseguia me concentrar em nada.Cometi
mais erros no meu treino de Handebol do que eu geralmente cometia nos
testes de matemática.
Ao chegar em casa, o desânimo ainda me
dominava, eu tinha tanta coisa pra estudar e lições para fazer, e
quanto eu mais pensava nelas mais desânimo dominava o meu corpo, dava
vontade de chorar só de pensar em fazer as lições.
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